domingo, 8 de abril de 2012

Pensamento da semana

"Os mergulhos psicanalíticos, a decifração da imagem pelos labirintos semiológicos, os reducionismos da obra de arte às questões históricas e sociais, os idealismos de que as imagens se originam de imagens e seguem indiferentes aos clamores humanos individuais e coletivos, enfim, todas essas leituras — e existem outras — o nome já as define bem, são leituras da obra de arte. Necessárias. Importantes. No entanto, são aproximações, camadas reveladoras da criação artística.

Essas abordagens diferenciadas não invalidam o fato de que a leitura da imagem possui uma iniciação metodológica e que, acima de tudo, é aptidão adquirida; uma capacidade adestrada e cultivada."

Rui de Oliveira, em A arte de ilustrar livros para crianças e jovens.

sábado, 7 de abril de 2012

Em processo: a última xilo (parte 1)

Voltando a falar sobre gravura, esta foi a última que produzi ano passado. Mas para não me alongar demais em uma única postagem, resolvi, como já vinha fazendo, mostrar o processo de gravação em duas partes.

Além do resultado final, eu gostei bastante da maneira como se deu o desenvolvimento da gravura. Tudo começou na reta final do semestre, com muita coisa acumulada e pouco tempo para resolver tudo. Como eu não queria terminar o ano com apenas três xilos, decidi que iria fazer – mesmo sem saber como – o estudo, a transferência, a gravação e a impressão da quarta.

Eu comecei, então, com um esboço que não durou muito tempo, feito apenas com lápis 2H (por isso o traço tão claro) no mesmo moleskine em que comecei a trabalhar nos primeiros estudos da série Natureza Íntima.


Se eu não me engano, eu comecei em uma quarta feira e terminei na sexta, apenas no horário de aula. E como fiz o desenho na universidade, acabei não usando nenhuma referência fotográfica. Foi tudo saindo espontaneamente (apesar da pressa), e o resultado me agradou bastante. Essa, porém, foi a parte fácil do negócio. O difícil seria gravar e imprimir a tempo, pois restava apenas uma semana de aula acabar o semestre.

Sabendo que cada cópia leva um tempo razoavelmente longo para secar, o último dia liberado para a impressão no ateliê seria na segunda, pois eu deveria recolher as gravuras do secador na quarta e entrega-las sexta. Resumindo: eu estava com um pepino enorme na mão (e no pior sentido da expressão!).

Só havia uma coisa a se fazer: trabalhar. E muito!

Assim sendo, peguei a matriz que, na verdade, era a mesma da gravura anterior, mostrada na postagem “Descorticação orbital”, e na mesma sexta em que eu terminei o desenho, lixei e deixei prontinha para trabalhar na parte da tarde.


Em seguida, fiz um esquema rápido de quadrícula e comecei a transferência para a madeira, centralizando a imagem e a expandindo para encaixar certinho. Isto é necessário porque depois de impressa, a gravura já fica naturalmente com um espaço vazio ao redor que, mesmo depois de ocupado pela moldura, não é preenchido.


Transferida a imagem, é impossível não reparar que as marcas do lápis, juntamente com as das três canetas porosas de cores diferentes, refletem a correria desenfreada em que trabalhei.

Enfim, não precisava ser nenhum guru para prever que o sábado seguinte não teria nada de aleluia, mas sim, de Deus nos acuda! Mas deixarei pare relatar minha agonia e êxtase na próxima postagem.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Primeiro estudo para descorticar crianças


Este poderia ser mais um daqueles trabalhos a entrarem na retrospectiva no início deste ano. Mas como ele não fazia parte da categoria de trabalhos “perdidos” ou esquecidos, eu acabei deixando para postá-lo em outro período – no caso, agora.

Quando, no ano passado, eu postei dois trabalhos sob o título “Estudos para descorticar crianças”, este desenho já estava pronto. Na verdade, foi a primeira criança a ser descorticada, algo que gostei muito de fazer, pois foi um processo diferente da descorticação de um rosto adulto e que gerou um impacto diferente nas pessoas que observavam o resultado final. Mas o que eu gostei mais não foi o fato de ter sido uma criança, e, sim, de ser um negro desenhado em grafite.

A pele negra tem uma beleza ímpar que necessita de alguns cuidados especiais durante o desenho. Eu descobri que é preciso ter um controle absoluto da técnica para não borrar ou estragar o trabalho durante o processo, pois quando se utiliza lápis extremamente macios – acima do 6B –, até olhar de mau jeito para o desenho pode borrá-lo. Para quem não tem ideia do que é isso, posso afirmar que depois de algumas horas de dedicação, passar o dedo ou a mão em cima do papel e perceber aquela mancha saindo do rosto para o fundo do papel, ou juntando o sombreado da sobrancelha com o branco do olho, por exemplo, não é nada agradável. A primeira coisa que passa pela cabeça é: “putz, eu merecia uma eutanásia agora!” Mas como isso é demais, pensamos em jogar o caderno fora. Como isto também é demais, pensamos só em rasgar a folha. E como isso não é possível de ser feito em cadernos costurados (além de que deixaria o caderno incompleto), também não o fazemos. Só resta xingar e ficar puto consigo mesmo depois da besteira feita. (Já fica aqui a dica para quem está olhando um sketchbook ou um desenho qualquer: jamais toque no desenho, nem que a curiosidade esteja te matando! Pegue apenas no cantinho do papel para que a gordura natural do seu dedo não estrague o trabalho do coleguinha.)

Eu até lembrei-me do meu professor de gravura comentando sobre o trabalho de impressão, dizendo que depois de 40 minutos imprimindo uma xilogravura a mão, com toda a paciência do mundo, chegar ao final e encontrar uma protuberância ou imperfeição na matriz que faz rasgar o papel é algo tão estressante que daquele momento em diante, o seu dia acabou; pode ir fazer outra coisa tipo lavar uma pilha de louças sujas ou varrer o quintal, porque qualquer tarefa artística depois do trauma dará errado!

Digressões a parte, o que importa disto tudo para mim é que hoje, quando olho o estudo acima, já não sinto mais a mesma empolgação da época que o fiz, pois, como deve ser, eu já consigo observar muitos detalhes que faria diferente. E isto, de enxergar o que passou sob um olhar crítico que permite futuras mudanças, é o mais importante, seja na arte, seja na vida.