quinta-feira, 23 de abril de 2009

No início, tudo eram traços...


Depois de passar boa parte do primeiro semestre desenhando natureza morta, panos, vasos, paisagens e, claro, nosso amigo Mocotó (ou o famoso modelo morto, já que se trata de um esqueleto), chegamos às aulas de modelo vivo.

Era sempre engraçado quando me perguntavam quais matérias eu fazia naquele semestre inicial de UnB. Os diálogos (e a cara de susto das pessoas) eram sempre os mesmos:
- ...ah, to fazendo também desenho 1.
- Nossa, que legal. E o que você desenha lá?
- Ah, no momento estamos desenhando modelo vivo.
- Uhm... E como é isso?
- Bom, a gente chega lá, vem alguém já contratado para posar, tira a roupa e a gente desenha.
- Como assim? Alguém fica pelado lá?
- É.
- No meio de todo mundo?
- É.
- Como assim?
- Como assim o que?
- A pessoa fica pelada no meio de todo mundo?
- É, ué.
- Ah, deixa de brincadeira. Mas o que você desenha lá mesmo, falando sério...

Era muito bom. O estudo de modelo vivo é um dos melhores para se aprender proporção, perspectiva, volume, luz e sombra etc. Resumindo, é essencial para qualquer um que queira aprender a desenhar.

Mas sem dúvida, o que mais aprendi naquele semestre foi ver as coisas de um modo diferente. É o famoso “olhar estrangeiro”, de Nelson Brissac Peixoto. Nós passamos todos os dias pelos mesmos lugares, mas se nos perguntam algo sobre o caminho que percorremos muitas vezes nós não sabemos responder. Isso porque nós olhamos as coisas, mas não as vemos. E desenho é isso, é observação, é aprender a ver.

Ora, então se nós vemos todos os dias milhares de pessoas, desde que nascemos, porque quando nos pedem para desenhar um ser humano nós simplesmente “travamos” e não conseguimos? Bom, daí é que vem a necessidade da prática. É preciso exercitar sempre, sem esquecer-se do olhar estrangeiro, o que quer dizer ver algo como se fosse a primeira vez, com curiosidade, com atenção.

Nesses trabalhos, o objetivo era juntar os modelos desenhados durante o semestre, tentando interagi-los de alguma forma, livremente, com a técnica que quisesse.

Eu não sei por qual motivo eu criei a idéia de que eu deveria assistir a todas as aulas de Desenho 1 para depois escolher como fazer os trabalhos. Às vezes os processos criativos acontecem de uma forma que a gente não sabe bem explicar o porquê. Resumindo, fiquei com um tempo muito curto para fazê-los...

Lembro que na véspera da apresentação dos trabalhos e comecei a desenhar os que faltavam por volta das 15 horas e fui sem parar até as 6 (da manhã!). Foi muito cansativo. Entrei num estado de êxtase que eu não vi a hora passar. Parava apenas quando o estômago já não aguentava mais e me lembrava há quanto tempo eu não comia nada... Quando acabei, fui direto tomar o café da manhã, guardar as coisas e ir para aula que era às 8 horas.

Mas valeu muito a pena. Mais do que uma nota, eu consegui adentrar em cada trabalho. A caneta pico de pena as vezes parecia uma extensão do meu corpo, e o mundo ao meu redor simplesmente não existia mais...

Cada trabalho foi feito com bico de pena em papel Canson tamanho A3.





3 comentários:

  1. É isso aí, Netinho!

    Esse seu relato serviu para eu lembrar de muita coisa que já estava estacionada na minha caixola, dos nossos "questionamentos"... você falou de olhar estrangeiro e eu não pude deixar de lembrar dos "cantos" de Daniela Mercury (... ou seria o Bachelard... hum... hehe).

    Continue! Estarei de olho, questionando.

    Gontcha

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  2. Esqueci de questionar...
    E suas gravuras?

    Gontcha

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  3. As gravuras vão estar logo aqui no blog.
    Muito bom seu comentário. Também já havia esquecido da Daniela Mercury...

    Abraço.

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